Algo de bom tinha na internet antigamente
Um compartilhamento despretensioso, uma série de notas em torno de um mesmo tema, uma documentação sobre um hobby e um bom sentimento.
Antigamente se escrevia sobre qualquer coisa, praticamente sobre qualquer coisa, digamos que você gostasse de sapatos, não, precisamente um tipo de sapato, sapato de corrida, aquele que você usava todas as vezes que fazia uma breve caminhada ou uma corrida de treino, você elaborava uma lista, fazia todo um artigo mostrando as evidências sobre porque esses sapatos são melhores do que os outros e o porquê você decidiu escolher aquele sapato, o nível de seriedade empregada para elaborar essas listas e estruturar todos os argumentos seria o mesmo nível de seriedade com que um cientista lidaria com uma bomba atômica. E de alguma forma quase que inexplicável haveria outras pessoas com um interesse tão intenso sobre esse pequeno hobby bastante particular tanto quanto você tem sobre esse hobby. Poderia se passar horas, dias, semanas, meses discutindo sobre qualquer tipo de tema, produzindo uma quantidade razoavelmente grande de conteúdo. O conteúdo na internet se perdia com muita facilidade por causa de uma conexão ruim, por causa de um backup não feito, por causa de uma invasão no site ou porque o servidor simplesmente foi fechado depois da falência da empresa. Mas o maior motivo sempre era a própria desistência do indivíduo, cansava-se do tema, encontrava-se um novo hobby e se dedicava tão intensamente a ele quanto ao anterior e o círculo recomeçava. É comum se acusar os leitores de não entenderem o que você escreve, de haver uma grande quantidade de pessoas que não gostam de assuntos sérios, que as pessoas não gostam de falar com sinceridade sobre as coisas, que não se escreve com ossos e carnes a mais profunda verdade que está dentro de você, é interessante pensar que quem diz isso, diz que a verdade não existe. O segredo para conquistar um público é muito simples: escreva o que os outros querem da mesma forma que você quer que os outros publiquem o que você quer. Fale extensivamente sobre o que você gosta e você vai notar que todas as pessoas que gostarem das mesmas coisas vão aparecer falando sobre como gosta do seu conteúdo. A parte mais fascinante da internet não é a quantidade de conteúdo sobre um assunto mas a quantidade de perspectivas que podemos encontrar sobre esse assunto. Escreva artigos partindo de comentários que fizeram nos artigos anteriores. Escreva uma série de artigos e veja a reação do público em relação a essas ideias trabalhadas ao longo do tempo. Responda ou faça comentários a outros artigos de outras pessoas (nem sempre é necessário se falar com agressividade ou bajular, você pode simplesmente tentar contribuir com um artigo que você gostou). Recupere temas antigos. Explore uma mistura imprevisível de temas. Fale sobre as coisas que você gostar com a seriedade que você deseja que os outros apliquem a esses temas. Não fique preso aos dilemas de outras pessoas: originalidade, criatividade, mudar o mundo, falar a mais profunda verdade, ser você mesmo, nenhuma dessas coisas será alcançadas de maneira plena nessa vida então não há necessidade de você passar uma vida toda se lamentando por não conseguir todas elas. Sem idealizações, ok? - se você está na internet, se está publicando algo, você vai precisar se sustentar em algum momento então encontre um tema com as seguintes características: que você consiga trabalhar com ele o máximo possível, que você tenha interesse real em contribuir sobre ele, que você goste de pesquisar constantemente e que seja significativo para você. Depois decida o tempo que você quer trabalhar com ele, alguns meses, alguns anos ou algumas décadas, quando a decisão for tomada escolha o tipo de formato de distribuição mais prático para você publicar. O tipo de monetização vai ser conforme o tipo de público que você tem. Ou seja: conteúdo filtrado segundo o interesse (tente desenvolver uma perspectiva pessoal sobre o assunto), formato e frequência conforme a natureza do conteúdo, estratégia de monetização que se adeque ao tipo de público construído. Acredito que isso seja o caminho mais prático. Fale sobre o que você gosta e te interessa, pesquise bastante sobre as coisas que te atraem e te afeta e você naturalmente encontrará um público que seja um reflexo de você. Você sempre pode recomeçar e construir algo novo. Provavelmente era isso que tinha de bom na internet, você podia recomeçar sem sentir um certo ressentimento ou consigo mesmo ou com os outros.
Mini-posfácio: Escrever sem alcançar um sentimentalismo ou uma nostalgia, ou um ódio contra mediocridade. Simplesmente falar de um assunto que eu gosto sem sentir que estou escrevendo um artigo pretensioso. Eu não vivi a época de uma internet discada ou de uma internet que transitava para qual nós conhecemos hoje, já peguei a internet moderna. É que quando ouço falar da internet de antigamente me traz essa ideia de um compartilhamento despretensioso. Mesmo que olhando alguns conteúdos obviamente se tinha muitas pretensões. A minha principal inspiração era como as pessoas documentavam seus hobbies por vários meses ou anos.